Autismo é genético?

Posted on 26 de julho de 2018 by Admin 

Cortesia: National Human Genome Institute. https://www.genome.gov/

Modelos de herança do transtorno do espectro autista (TEA)

Frequentemente ouvimos as seguintes questões de pais de crianças com autismo: O autismo é genético? Como o autismo pode ser genético se não há mais ninguém na família com essa condição? Qual é o risco de termos outra criança com autismo? Se nós tivermos uma filha o risco é menor que para um menino? Para responder essas questões é necessário entender os mecanismos genéticos e ambientais (não genéticos) que causam o autismo.

Já é de domínio público a informação que fatores genéticos estão entre as causas do autismo (ou transtorno do espectro autista – TEA). Para responder à questão seguinte (como o autismo é genético se não há ninguém com essa condição na família?) é necessário entender que o autismo pode ser causado por uma única alteração genética, por uma combinação de alterações genéticas, ou ainda, por uma associação entre alterações genéticas mais fatores ambientais, o que chamamos de modelos de herança. Assim, cada caso de autismo pode se encaixar em um desses modelos, o que torna o aconselhamento genético diferente para cada situação familiar específica.

Modelo monogênico

O modelo de herança com alteração em um único gene (alterações de alto impacto) é conhecido no meio científico como modelo monogênico. Exemplos de genes associados  a quadros monogênicos de TEA são DYRK1A, CHD8, FMR1 (ligado à síndrome do X frágil), NF1 e NF2 (neurofibromatose), TSC1 e TCS2 e outros. Esses genes estão associados, de forma geral, ao que é conhecido na literatura como autismo sindrômico, o que significa que o comportamento autista faz parte de um conjunto de manifestações clínicas variadas que caracterizam essas síndromes.

Essas alterações genéticas podem ser de novo, ou seja, surgiram no óvulo ou no espermatozóide que gerou aquele indivíduo e não estão presentes nas demais células dos pais. Essa é a razão dos pais dessas crianças geralmente não apresentarem o transtorno. Algumas dessas síndromes, no entanto, apresentam uma grande variabilidade clínica podendo estar presente em um dos pais de forma bem sutil. Em outros casos, é necessário que a alteração seja herdada do pai e/ou da mãe para que haja a manifestação do TEA. Esses padrões de herança estão representados na figura 1.

Modelo poligênico e multifatorial

O modelo poligênico considera que o TEA resulta da soma de muitas alterações genéticas de pequeno efeito individual, ou seja, alterações que isoladamente não causam o transtorno. Ao terem seu efeito combinado, quando presentes em um mesmo indivíduo, podem ultrapassar um limiar de predisposição ao TEA, dando origem a este distúrbio do neurodesenvolvimento. Este mesmo princípio explica o modelo multifatorial, que inclui, além de múltiplas alterações genéticas, fatores ambientais. Os fatores genéticos e ambientais que resultam no TEA quando somados são também conhecidos pelo termo “fatores de risco” (figura 2). Os modelos poligênico e multifatorial foram os primeiros modelos utilizados para explicar a herança do TEA.

Nesse modelo as alterações herdadas, que passam de pai para filho, têm papel fundamental. Os estudos que levam em conta o modelo poliogênico/multifatorial, no entanto, têm encontrado dificuldade na replicação dos achados e o sucesso dessa abordagem vai depender do sequenciamento de amostras maiores, da ordem de milhares de indivíduos com TEA, o que já se encontra em andamento. Atualmente o modelo oligogênico tem sido mais eficiente para explicar a herança do TEA.

Modelo oligogênico

O modelo oligogênico (figuras 3 e 4) considera a influência de alterações genéticas raras de efeito alto ou moderado, que tanto podem ser herdadas ou de novo,na manifestação do TEA. Nesse modelo, o número de alterações genéticas de risco por indivíduos é menor que no modelo poligênico.

O impacto das alterações genéticas que têm sido detectadas em casos de TEA e o número mínimo de alterações para que o limiar seja ultrapassado são ainda desconhecidos. Nesse caso também, não se pode excluir a contribuição de fatores ambientais como fatores adicionais de risco.

Algumas dessas alterações genéticas relacionadas ao TEA podem estar presentes em indivíduos portadores de outras condições como esquizofrenia, deficiência intelectual e convulsões. Não se sabe ainda qual o conjunto de alterações genéticas que pode levar a cada uma dessas condições.

Aconselhamento genético – Cálculo de recorrência

Conforme dito no início é com base nesses modelos que podemos inferir então o risco de repetição do TEA para os próximos filhos do casal com uma criança autista, e em alguns casos para outras pessoas na família. Se for detectada na criança uma variante de novo (não presente nos pais) o risco de repetição é baixo, igual ao da população geral, de aproximadamente 1%. No entanto, se forem  detectadas alterações genéticas já relacionadas ao autismo nos pais, mesmo que estes não tenham autismo, a probabilidade de o casal vir a ter outro filho com TEA é maior. Além disso, há casos de síndromes monogênicas específicas em que o risco de repetição pode chegar a 50%.

Por todas essas razões o aconselhamento genético no TEA é tão complexo e difere para cada família.

Nos próximos artigos detalharemos quais são os tipos de alterações genéticas relacionadas ao TEA e os respectivos testes para detectá-las.

Referências:1de la Torre-Ubieta, L., Won, H., Stein, J. L., &Geschwind, D. H. (2016). Advancing the understanding of autism disease mechanisms through genetics. Nature medicine, 22(4), 345.2Hoang, N., Cytrynbaum, C., & Scherer, S. W. (2017). Communicating complex genomic information: A counselling approach derived from research experience with Autism Spectrum Disorder. Patient education and counseling.3 De Rubeis, S., &Buxbaum, J. D. (2015). Genetics and genomics of autism spectrum disorder: embracing complexity. Human molecular genetics, 24(R1), R24-R31.