“Achatar a curva” Pode representar um desafio para as pessoas autistas
O distanciamento social pode agravar características de autismo, incluindo ansiedade e dificuldade em mudar as rotinas. A pandemia de coronavírus fechou escolas, transformou hospitais e mudou radicalmente a vida cotidiana. Essas mudanças são estressantes para todos, mas podem representar desafios únicos para as pessoas autistas, muitas das quais estão sendo excluídas de programas diários, serviços escolares e consultas médicas presenciais. “Todos nós estamos tendo problemas para nos adaptar às realidades que mudam muito rapidamente ao nosso redor”, diz Matthew Siegel, diretor de pesquisa em transtornos do desenvolvimento, colaborador do Spring Harbor Hospital, em Westbrook, Maine. “A capacidade de gerenciar essas preocupações é ainda mais difícil para algumas pessoas com autismo” .Porém, nesse momento em que as necessidades das pessoas autistas aumentaram, muitas clínicas adiaram ou cancelaram consultas não essenciais e mudam para a chamada telemedicina. Além disso, muitos centros de terapia comportamental também pararam ou reduziram as sessões presenciais. Alguns centros de tratamento residencial fecharam para visitantes externos, afastando os residentes de suas famílias. Além disso, à medida que as escolas mudam para o ensino remoto, os alunos que estão no espectro podem receber menos serviços, como fonoterapia e terapia ocupacional.
Todas essas interrupções podem ter consequências a longo prazo, incluindo atrasos no diagnóstico do autismo.
“Isso será extremamente prejudicial para nossos filhos e famílias”, diz Sarah Spence, co-diretora do Autism Spectrum Center no Boston Children’s Hospital, em Massachusetts.
Pessoas com autismo geralmente têm ansiedade, e possuem dificuldades em aceitar pequenas mudanças em sua rotina. Para que inviduos com autismo se preparem para estes períodos de transições na vida, psicólogos geralmente começam esse processo de adaptação com meses de antecedência. No entanto, a pandemia “Não é uma mudança gradual para qual os indivíduos com autismo poderiam estar preparados”, diz Jill Fodstad, professora associada de psicologia clínica da Universidade de Indiana, em Indianápolis.
Sem os ritmos diários da escola, do trabalho e de passeios familiares, as pessoas com autismo podem ter problemas para regular suas emoções e controlar sua ansiedade.
Distanciamento social
Até mesmo os fins de semana e feriados podem incomodar Jack Ursitti, de 16 anos, que tem autismo e deficiência intelectual. Sua mãe está preocupada com o fato de o estresse adicional causado pelo encerramento do programa intensivo do qual ele participava, ter levado Jack a se automutilar, o que lhe rendeu uma visita ao serviço de emergência sobrecarregado. “Ele é o tipo de pessoa que aproveita a oportunidade para se manter ocupado e estar na comunidade”, diz sua mãe, Judith Ursitti. “É difícil para ele perder essa rotina”.
Ursitti e o marido, que trabalham em período integral, estão revezando-se em cuidar de Jack em casa. Eles estocaram seus medicamentos, incluindo o medicamento para ansiedade usado durante as crises comportamentais. Ela e Jack também praticam corridas regulares para tentar controlar o estresse dele.
Mesmo as pessoas com autismo leve, que geralmente precisam de pouco suporte, podem ter dificuldades com a função executiva, tornando difícil reagendar planos, reorganizar horários de trabalho e estocar mantimentos.
“Estou me sentindo muito mais propensa ao desligamento do que o habitual, porque estou sobrecarregada com tarefas que são muito urgentes”, diz Josefina Troncoso, uma defensora autista da organização sem fins lucrativos Ambitious about Autism, localizadano Reino Unido. Ela diz que foi difícil reservar um voo da Inglaterra para sua cidade natal, no Chile, quando a pandemia aumentou e voltou poucas horas antes do país fechar suas fronteiras.
A pandemia também tem exacerbado o transtorno obsessivo-compulsivo de Troncoso que, assim como a ansiedade, pode co-ocorrer com o autismo. Ela ampliou sua fobia habitual sobre a contaminação de pulgas e piolhos para germes, e levou-a a uma nova obsessão por lavar as mãos. “É meio que desencadear um medo que não existia”, diz ela.
Para lidar com isso, Troncoso se aconchega sob um cobertor pesado, conversa com a mãe e assiste a episódios de seu desenho favorito.
“É como estar perdido no deserto e encontrar uma caverna que pode te abrigar”, diz ela.
Consequências negativas
Os médicos que atendem pessoas autistas estão tentando adaptar suas necessidades da melhor maneira possível.
Siegel diz que tem uma consulta no estacionamento de sua clínica no início deste mês para um cliente que se recusou a entrar no prédio por medo de contrair o vírus. Ainda assim, muitas pessoas com autismo estão tentando controlar sua piora da ansiedade com pouco apoio. Além do mais, sem suporte e serviços, alguns podem sofrer regressões no comportamento e nas habilidades cognitivas ou de linguagem, diz Spence.
A mudança para a telemedicina facilitou o atendimento a alguns indivíduos com autismo, que consideram as consultas médicas estressantes, diz Spence. Mas o centro normalmente não oferece visitas virtuais a novos pacientes, e isso pode diminuir a velocidade do diagnóstico ou até impedi-lo.
“Estamos angustiados com o que fazer pelos pacientes que estão agendados para uma nova consulta em busca de um diagnóstico. Adiar ainda mais essa espera é algo difícil de ser compreendido pelos familiares”, diz ela. “Mas temos que ponderar isso como uma questão de saúde publica, visto que pessoas que vêm até o hospital, acabam esperando em salas de espera lotadas, gerando aglomeração”.
Fonte:
https://www.spectrumnews.org/news/flattening-the-curve-may-pose-tough-challenge-for-autistic-people/
Texto adaptado por Ana Cristina De Sanctis Girardi, Maria Rita Passos-Bueno e Elisa Varela Branco